sábado, abril 19, 2008

Tu vens

  • Sugiro que leia esse texto ouvindo Anunciação de Alceu Valença.

Rosa esperou vinte anos. Quando jovem, acreditou na promessa de que um dia, por mais difícil que fosse, ele voltaria para buscá-la e a envolveria em seus braços, protegendo-a e a levaria para seu ninho de amor.

Rosa apresentava marcas do tempo em seu rosto moreno. Aos quarenta anos, a mulata Rosa tinha uma pele linda, mas cansada do sol. Sua silhueta era a mesma de vinte anos atrás. Rosa tinha anca larga e seios como que moldados, de tão perfeitos. Esses vinte anos não fizeram de Rosa uma mulher gasta. Mas sim, uma mulher pronta.

A mulata Rosa ia e vinha com baldes de roupa para lavar ao pé do riacho. Rosa era calada e isso sim, mudou com o tempo. Na sua juventude, Rosa era falante, cheia de sonhos e planos. Até que ele foi embora.

Com o tempo, Rosa foi se calando e apenas com a companhia do sol, não falava mais que o necessário.

A mulata mais linda das bandas de Piriofa, morava em uma choupana antiga que seus avós deixaram para a família, e que seus pais na época da guerra faziam guarda com medo de ações inimigas. Mal sabiam eles que nenhum alemão se atreveria a chegar em Piriofa.

O problema é que nas regiões de Piriofa, os inimigos nem sempre eram os alemães, mas sim os coronéis que ateavam fogo nos vilarejos dos sertanejos que deviam, ou que os contrariavam.

Foi numa dessas, que o pai de Rosa morreu. Adêmico, o dono do pedaço, não exitou em meter chumbo no Sr. João, que devia ao Coronel um burro, e algumas sacas de farinha.

O povo de Piriofa se calava poucas vezes, mas se não se ouvia um pio na região, com certeza era porque ou os Coronéis ou os cangaceiros estavam por perto.

A mãe da mulata Rosa, Dona Rosa Maria, faleceu de desgosto após perder seu amado João para Adêmico, que insistia em dizer que se a família não pagasse o tal do burro e das sacas, levaria a mulata Rosa para sua fazenda e faria dela o que bem entendesse.

Num dia de ventania, os cangaceiros liderados por José Navalha invadiram Piriofa e fizeram um estrago dos grandes na região. Além de saquear, violentar e tudo aquilo que era peculiar aos cangaceiros do bando de Navalha, deram um golpe ímpar.

Os bandoleiros de Navalha invadiram a fazenda de Adêmico e não sobrou nada. Mataram o coronel, suas filhas e deram um jeito de fazer com que o filho mais velho de Adêmico fosse parar na Guerra.

Por um lado, o povo de Piriofa ficara livre de Adêmico, mas por outro, estavam entregues aos caprichos de Navalha e seus homens. E foi assim que Zezinho Canivete conheceu a jovem mulata Rosa.

Num misto de ódio e amor, Rosa apaixonou-se por Canivete, que juntou-se a jovem moça. O povo de Piriofa, não aprovava em nada o amor dos dois, e alertavam Rosa para que deixasse o mal feitor. Mas ela, acreditava em Canivete, que havia deixado o bando de Navalha para juntar-se à moça.

O que ocorria, é que naquela época, não existia a possibilidade de ser um ex- cangaceiro. Para Navalha, o que Canivete fez, era imperdoável. Não havia, de forma alguma a possibilidade de largar o cangaço por um rabo de saia qualquer. E Canivete teria de pagar um preço alto.

Já que havia matado o mais poderoso coronel da região, Navalha tinha livre acesso à Piriofa e a cada dois meses voltava à região para se “reabastecer”. Foi em um retorno desses que Navalha resolveu acertar as contas com Canivete.

Enquanto Rosa lavava as roupas no riacho, Navalha fez uma investida na velha choupana e pegou Canivete pelo pescoço dizendo que se não fosse embora com ele, Rosa sofreria sérias conseqüências.
Canivete sabia do que o ex-chefe era capaz e pediu uma trégua. Disse que não era mais dessa vida e que havia se aquietado. Mas nada fez o velho cangaceiro mudar de idéia.

Navalha arrastou Canivete até em frente ao retrato de Rosa e berrou que se não fosse com ele naquele momento, Chiquinho iria fazê-la mulher de verdade e que mais três ou quatro do bando já estavam fazendo guarda perto ao riacho.

Desesperado, Canivete concordou em ir com Navalha e pediu para que esperasse Rosa voltar para despedir-se. Navalha não tinha cara de bom moço e é claro que disse não.

Canivete escreveu em um pequeno papel a frase: Minha preta, por mais difícil que seja eu vou voltar!

Quando Rosa chegou na choupana e não viu sinais de Canivete, entendeu o que se passara enquanto estava fora. E chorando muito, encontrou o pedaço de papel com os dizeres de seu amado.

Vinte anos se passaram, e a cada lua cheia, Rosa pedia aos céus para que Canivete tomasse o rumo de casa. Em uma manhã de domingo, enquanto a mulata estendia seus lençóis, calada como sempre, ouviu os sinos da Igreja soarem. Rosa colocou o balde em cima do morrinho de areia e a mesma ventania de anos atrás começou.

Em meio à ventania vinha um cavalo e montado nele, um homem cansado com roupas sujas e barba por fazer. Rosa sentiu seu corpo vibrar e os vinte anos de espera passaram como um filme diante de seus olhos. A mulata tirou de dentro do vestido um papel amassado com a mensagem de esperança de Canivete.

Ele veio vindo e desceu de seu cavalo, agarrando a mulata que chorava e ria misturando os sentimentos. Os dois se amaram e Piriofa sorria novamente com o sorriso da mulata.