quarta-feira, novembro 12, 2008

Entre Machado de Assis e Bernardo Guimarães

Sugiro que leia esse texto ouvindo qualquer música que pareça ser intelectual.

Morena pegou seus óculos e sentou-se na poltrona da sala que ficava exatamente embaixo da janela. Luz. Pensava ela, se ajeitando da melhor forma, para que não precisasse forçar a vista. Meus olhos já não são mais os mesmos! Suspirou em tom baixo.

Estava no capítulo três e tinha a irritante mania de marcar até que página deveria ler assim que pegava o livro em mãos. Hoje, vou até a 116. Pensou enquanto separava as páginas com o indicador esquerdo. Essa mania vinha de criança, quando tinha que ler para os trabalhos da Escola.

Romance. Morena adorava romances e não porque tinham casais apaixonados, não. Mas pela dramaticidade dos textos. Era fã de Machado de Assis e não se continha quando a conversa com o namorado Murilo, parava nas obras de Bernardo Guimarães. Achava que esses autores sempre davam um tom afrodisíaco às conversas com seu amado e depois das discussões sobre literatura e uma garrafa de vinho, era certeza. Viria a hora da sacanagem.

Morena e Murilo eram um casal cult, não era difícil encontra-los. Filmes? Sempre no segundo andar da Cartoon ou na Vídeo 1. Marx, Freud e filosofia chacoalhavam os neurônios do casal. Pra quem passava distraído, com certeza pensava: Que chatice esses dois, não se amam e precisam conversar sobre temas polêmicos para se aturarem.

Eles riam, entre um novelle vague e outro, tiravam sarro de suas intelectualidades e não abriam mão de ouvir Chico Buarque durante um jantar à luz de velas. O passo seguinte era um capuccino em um café escuro da cidade e quando nada disso era possível, voltavam ao papo do Machado e do Bernardo, afinal, depois deles o que interessava mesmo, era a parte da sacanagem.

quinta-feira, novembro 06, 2008

Juliana

Sugiro que você leia esse texto ouvindo qualquer música da Alanis Morissette


Era impressionante a sensação de cansaço que acometia Juliana, praticamente não conseguia subir as escadas que davam acesso à magia das aulas universitárias.

Juliana era forte, estava acostumada a dormir tarde e, geralmente passava as madrugadas corujando ora em seu computador, ora na televisão. De cigarro em cigarro, as horas passavam e quando Juliana via, já eram duas da manhã.

Mas nas últimas quarenta e oito horas, as coisas não foram bem assim. Juliana cerrou os olhos apenas quatro míseras horas. Trabalhos. Dizia ela quase inconsciente. A culpa da insônia eram os trabalhos acadêmicos.

Na última quinta-feira - e não sei bem porque as crônicas desse blog só acontecem na quinta-feira - por volta das 18 horas, Juliana não suportou. Ao chegar na Universidade, a pobre coitada não teve tempo de nada. Simplesmente adormeceu. Parecia que nada faria a garota acordar. As luzes já haviam apagado, os colegas ido em embora, quando de súbito, Juliana levantou.

Sem ação e perturbada por encontrar-se sozinha, não pensou em ligar para ninguém. Já que havia acordado no meio da noite, resolveu fazer como de hábito. Ligou o computador da faculdade e entre um cigarro e outro, passou a noite ali, corujando.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Suzana

Sugiro que leia esse texto ouvindo You Know I´m no good, da Amy Winehouse

Suzana era moça bonita, seus vinte e poucos anos enchiam qualquer lugar por onde ela passava. Era uma morena alta de cabelos longos e cacheados, um par de olhos verdes escuros que pareciam iluminar seu caminho. Aliás, não só seu caminho, mas de todos que estavam ao seu redor.

Alguma coisa nela me intrigava. Não sei muito bem se era uma intriga ou aquela ponta de inveja feminina que todas nós sentimos umas das outras mesmo que em silêncio. Enfim, toda vez que a via, esse ar misterioso de intriga com pitadas de inveja me acometia. Talvez pelo fato dela ter em sua essência, um quê de estrela do Rock.

Certo dia, vinha Suzana desfilando com sua tatuagem de flores que descia do seu colo e tomava seu braço esquerdo, quando Joel, um desses desocupados que fazem bicos em qualquer birosca pra viver, gritou pela morena. O grito ecoou por todo o bairro e logo pude perceber que não se tratava de um simples chamado. Joel e Suzana tinham realmente um affair, e aquilo que se via no meio da rua era uma cena passional.

Joel gritou de maneira a chamar a atenção até dos cachorros, que pararam de latir com seu berro estridente. Ele queria mostrar para todo o público que a bela morena era dele, mas ela não deu ouvidos e seguiu andando, enquanto o malandro bradava frases de amor, ódio, desculpas e vingança.

Cansada das grosserias de Joel, Suzana o deixou e marcou como definitiva essa atitude, sua tatuagem de flores. Não parecia nada de mais, até o início da semana, quando notei que as flores tatuadas, são as mesmas que até hoje, a morena repousa sobre o túmulo de Joel.

quinta-feira, outubro 23, 2008

No posto de gasolina

Sugiro que leia esse texto ouvindo a música Wonderwall, do Oasis

E me peguei pensando em meio ao caos que me encontrava aquela semana, que beleza de vida tenho eu! Mesmo com as intempéries que vinham ocorrendo nos últimos dias, ainda assim me senti interessante e vi que havia motivo para seguir.

E esse pensamento veio durante o início de noite da quinta-feira, quando parei para abastecer e a mão escorregou pelo painel do carro, tocando de leve os botões do rádio, sintonizando uma música antiga, de um grupo inglês, que me lembrou o tempo em que estive no Velho Continente.

Incrível como uma leve escapada de mão, pode fazer o rumo e, principalmente o humor de alguém mudar rapidamente. Respirei fundo ouvindo aquele musiquinha que enchia meu peito de saudades e me deixei envolver pelo cheiro da gasolina que saia da bomba.

Quando dei por mim, o moço já estava batendo na janela com a ponta da chave e, no susto, acordei como que de um transe. Deixei a carteira cair na hora de pagar e o moço me olhou com uma cara de como quem diz: ô minha filha, anda logo que a fila “ta” grande.

Saí sorrindo, se não me falha a memória e a música acabou, assim como a quinta-feira.

terça-feira, setembro 16, 2008

Voltando

Não há sugestão de músicas hoje!

Estou voltando à ativa. Este blog, que quase foi desativado, volta agora por forças maiores à sua velha forma. Talvez não à velha forma, com textos criativos e tiradas engraçadas, mas enfim, volta.

Impressionante o que a faculdade faz com as pessoas. Faz inclusive retornar à escrever.

É isso aí... a empolgação é muito pequena, diante de tão explêndido blog.

Obrigada e volte sempre!

sábado, abril 19, 2008

Tu vens

  • Sugiro que leia esse texto ouvindo Anunciação de Alceu Valença.

Rosa esperou vinte anos. Quando jovem, acreditou na promessa de que um dia, por mais difícil que fosse, ele voltaria para buscá-la e a envolveria em seus braços, protegendo-a e a levaria para seu ninho de amor.

Rosa apresentava marcas do tempo em seu rosto moreno. Aos quarenta anos, a mulata Rosa tinha uma pele linda, mas cansada do sol. Sua silhueta era a mesma de vinte anos atrás. Rosa tinha anca larga e seios como que moldados, de tão perfeitos. Esses vinte anos não fizeram de Rosa uma mulher gasta. Mas sim, uma mulher pronta.

A mulata Rosa ia e vinha com baldes de roupa para lavar ao pé do riacho. Rosa era calada e isso sim, mudou com o tempo. Na sua juventude, Rosa era falante, cheia de sonhos e planos. Até que ele foi embora.

Com o tempo, Rosa foi se calando e apenas com a companhia do sol, não falava mais que o necessário.

A mulata mais linda das bandas de Piriofa, morava em uma choupana antiga que seus avós deixaram para a família, e que seus pais na época da guerra faziam guarda com medo de ações inimigas. Mal sabiam eles que nenhum alemão se atreveria a chegar em Piriofa.

O problema é que nas regiões de Piriofa, os inimigos nem sempre eram os alemães, mas sim os coronéis que ateavam fogo nos vilarejos dos sertanejos que deviam, ou que os contrariavam.

Foi numa dessas, que o pai de Rosa morreu. Adêmico, o dono do pedaço, não exitou em meter chumbo no Sr. João, que devia ao Coronel um burro, e algumas sacas de farinha.

O povo de Piriofa se calava poucas vezes, mas se não se ouvia um pio na região, com certeza era porque ou os Coronéis ou os cangaceiros estavam por perto.

A mãe da mulata Rosa, Dona Rosa Maria, faleceu de desgosto após perder seu amado João para Adêmico, que insistia em dizer que se a família não pagasse o tal do burro e das sacas, levaria a mulata Rosa para sua fazenda e faria dela o que bem entendesse.

Num dia de ventania, os cangaceiros liderados por José Navalha invadiram Piriofa e fizeram um estrago dos grandes na região. Além de saquear, violentar e tudo aquilo que era peculiar aos cangaceiros do bando de Navalha, deram um golpe ímpar.

Os bandoleiros de Navalha invadiram a fazenda de Adêmico e não sobrou nada. Mataram o coronel, suas filhas e deram um jeito de fazer com que o filho mais velho de Adêmico fosse parar na Guerra.

Por um lado, o povo de Piriofa ficara livre de Adêmico, mas por outro, estavam entregues aos caprichos de Navalha e seus homens. E foi assim que Zezinho Canivete conheceu a jovem mulata Rosa.

Num misto de ódio e amor, Rosa apaixonou-se por Canivete, que juntou-se a jovem moça. O povo de Piriofa, não aprovava em nada o amor dos dois, e alertavam Rosa para que deixasse o mal feitor. Mas ela, acreditava em Canivete, que havia deixado o bando de Navalha para juntar-se à moça.

O que ocorria, é que naquela época, não existia a possibilidade de ser um ex- cangaceiro. Para Navalha, o que Canivete fez, era imperdoável. Não havia, de forma alguma a possibilidade de largar o cangaço por um rabo de saia qualquer. E Canivete teria de pagar um preço alto.

Já que havia matado o mais poderoso coronel da região, Navalha tinha livre acesso à Piriofa e a cada dois meses voltava à região para se “reabastecer”. Foi em um retorno desses que Navalha resolveu acertar as contas com Canivete.

Enquanto Rosa lavava as roupas no riacho, Navalha fez uma investida na velha choupana e pegou Canivete pelo pescoço dizendo que se não fosse embora com ele, Rosa sofreria sérias conseqüências.
Canivete sabia do que o ex-chefe era capaz e pediu uma trégua. Disse que não era mais dessa vida e que havia se aquietado. Mas nada fez o velho cangaceiro mudar de idéia.

Navalha arrastou Canivete até em frente ao retrato de Rosa e berrou que se não fosse com ele naquele momento, Chiquinho iria fazê-la mulher de verdade e que mais três ou quatro do bando já estavam fazendo guarda perto ao riacho.

Desesperado, Canivete concordou em ir com Navalha e pediu para que esperasse Rosa voltar para despedir-se. Navalha não tinha cara de bom moço e é claro que disse não.

Canivete escreveu em um pequeno papel a frase: Minha preta, por mais difícil que seja eu vou voltar!

Quando Rosa chegou na choupana e não viu sinais de Canivete, entendeu o que se passara enquanto estava fora. E chorando muito, encontrou o pedaço de papel com os dizeres de seu amado.

Vinte anos se passaram, e a cada lua cheia, Rosa pedia aos céus para que Canivete tomasse o rumo de casa. Em uma manhã de domingo, enquanto a mulata estendia seus lençóis, calada como sempre, ouviu os sinos da Igreja soarem. Rosa colocou o balde em cima do morrinho de areia e a mesma ventania de anos atrás começou.

Em meio à ventania vinha um cavalo e montado nele, um homem cansado com roupas sujas e barba por fazer. Rosa sentiu seu corpo vibrar e os vinte anos de espera passaram como um filme diante de seus olhos. A mulata tirou de dentro do vestido um papel amassado com a mensagem de esperança de Canivete.

Ele veio vindo e desceu de seu cavalo, agarrando a mulata que chorava e ria misturando os sentimentos. Os dois se amaram e Piriofa sorria novamente com o sorriso da mulata.

quarta-feira, abril 02, 2008

Palavras, minhas palavras...

  • Sugiro que leia esse texto ouvindo qualquer música a seu gosto. Hoje sumiram-me não somente as palavras, como também as indicações.

Meu texto morreu! Nada me inspira a escrever, talvez minha ansiedade esteja corroendo a parte do meu cérebro destinada às palavras. E justo hoje que eu queria tanto contar como foi meu dia.
A máquina que ficava na estante de ferro da sala, tal qual a própria estante, enferrujou e não há nada que se possa fazer para mudar isso. Até porque, nas limpezas quinzenais que minha mãe insiste em fazer aqui em casa, ela já encontrou um outro dono para as minhas ferrugens e passou minha querida máquina adiante.
Ainda hoje pela manhã, lembrava do primeiro texto que caprichosamente escrevi com ela. Era algo como a redação de volta às aulas, que a professora da segunda série pedira.
Com meus oito anos, ganhei a máquina e para imitar meu pai que era escriturário, escrevia nela longos textos de 3 linhas. Sim, eles eram de fato longos, afinal, com oito anos, tudo que ultrapassa a primeira frase pode ser considerado uma coleção literária numerosa.
E hoje, anos depois, me faltam palavras. Seria muito absurdo pensar em escrever sobre as férias da segunda série? Talvez se encontrasse o texto dos meus oito anos e me lembrasse como foram aquelas férias, tudo voltaria ao normal.
Mas, assim como as ferrugens, minha mãe deu um jeito também nas lembranças do primário. E isso, é algo que gostaria de entender. Por que será, que mães dão fim nas nossas coisas?
Já pensei em trocar a fechadura de casa é verdade, mas dessa forma, não encontraria a cada quinze dias os livros arrumados e as cuecas limpas. Mais que limpas, passadas, dobradas e como que por mágica, arrumadas uma a uma dentro da gaveta esquerda.
Mesmo com cuecas limpas e livros arrumados, o que facilita em 90% a vida masculina, eu não encontro palavras. A organização da minha mãe é tanta, que talvez no meio dessas arrumações ela possa ter guardado minhas idéias e esqueceu de me avisar aonde colocou.
Ou pior que isso, ela pode ter doado minhas idéias junto com as ferrugens, uma tremenda sacanagem, já que sou escritor. Pô mãe, daí já é demais, né?!
Outra coisa que facilita a vida do homem e que minha querida mãezinha me auxilia é a preparação do café. Aquele que me acompanha durante horas na incessante procura por idéias.
Falando nisso, amanhã é dia da visita da mamãe. É bom mesmo, porque a comida está acabando e pelo menos o bolinho ela traz e quem sabe no recheio do bolo de cenoura, não estão as idéias que sumiram daqui há mais ou menos 15 dias?